quinta-feira, 31 de março de 2011

CHAMA INTERIOR SAGRADA E AS VESTAIS

 

CHAMA INTERIOR SAGRADA


Héstia, a guardiã do fogo sagrado, caminha nas moradas de todos, deuses e mortais, recebendo suas reverências e a gratidão eterna. Gloriosa é a Sua luz e abrangente o Seu poder, pois sem Sua presença ninguém poderia sobreviver. Por isso, serão sempre Suas as primeiras e as últimas oferendas, nos rituais e nas orações diárias.
Hino de Homero (adaptado)
Héstia era a filha primogênita do casal de Titãs Rhea e Chronos, uma das doze divindades olímpicas que, em troca do direito de permanecer virgem, cedeu seu lugar no Monte Olimpo para o deus Dionísio. Apesar de sua importância como Deusa guardiã da lareira, da família e da comunidade, Héstia não tinha um templo específico, nem foi “personificada” em imagens ou estátuas. Mesmo invisível no plano físico, Ela era a mais presente divindade na vida humana, sendo representada pela luz e pelo calor do fogo, honrada em cada casa, cidade e nos templos dedicados aos outros deuses. O fogo aceso nos altares dos templos e nas lareiras das moradias era o pedido e o convite para que Héstia se tornasse presente, trazendo as bênçãos da iluminação. Héstia não tinha rituais específicos, sendo a veneração da chama sagrada a maneira antiga e atual para sua reverência e invocação.

Ela recebia as honras em primeiro e último lugar, em razão dos direitos especiais de seu nascimento e renascimento. Conta o mito que, à medida que a Deusa Rhea dava à luz aos seus filhos, Chronos os engolia, por temer ser por eles destronado. Quando Zeus nasceu, Rhea conseguiu enganar Chronos, dando-lhe uma pedra enrolada em panos para engolir e escondeu Zeus na gruta do Monte Ida, onde ele foi criado por sacerdotes e amamentado pela cabra Amalthea. Quando se tornou adulto, Zeus deu um vomitório para que Chronos expelisse todos os filhos por ele engolidos; a última a ser devolvida foi a primogênita Héstia, daí seu título de “a primeira e a última”.

Diferente de outras divindades, Héstia jamais participou das disputas ou intrigas entre os deuses, nem das guerras promovidas por seus irmãos, adquirindo, assim, o direito de ser reverenciada como o centro da casa e do templo e de receber as honras e oferendas em primeiro e último lugar. Por ter imposto sua vontade de permanecer virgem e de jamais aceitar um homem na sua vida, Ela (assim como Ártemis e Athena) era invulnerável às flechas de Eros e aos feitiços de amor de Afrodite.

Poucos escritos existem sobre Héstia, sendo que a principal fonte de informação está nos hinos do poeta Homero. Sua importância para o povo grego estendia-se além das reverências e oferendas a Ela dedicadas, que eram feitas antes de cada refeição ou ritual. Como sua bênção era pedida para o fortalecimento da unidade familiar, uma mulher, quando se casava, recebia em sua nova moradia uma tocha acesa na lareira da casa materna, levada por sua mãe para consagrar o lar dos recém-casados, demonstrando a importância da continuidade da energia ancestral feminina e do elo entre mãe e filha. Quando uma criança nascia, aos cinco dias de vida sua família reunia-se ao redor da lareira e a apresentava à Héstia, pedindo Sua bênção e permissão para a admissão no clã familiar.

Além de ser o elo entre humanos e o plano divino, Héstia também era a protetora dos templos e das comunidades. O Estado era uma continuação da família e cada cidade tinha nos templos um santuário – chamado Prytantis – e uma lareira dedicada à Héstia, zelada pelas sacerdotisas chamadas Prytantes. Visitantes e viajantes pediam as bênçãos para sua estadia ou viagem nestes santuários e os suplicantes e foragidos neles encontravam asilo e proteção. Do templo principal era levada a chama para abençoar as novas cidades e colônias e acender novas lareiras, sendo Héstia o elo que ligava o lar ancestral da capital aos confins do império, da mesma maneira como era feito com a continuidade do fogo materno para com seus descendentes.

Como arquétipo, Héstia representa a essência (em grego a palavra é essia), o centro da psique, a própria chama interior da natureza divina. Ela também simboliza a energia feminina invisível que permeia um lugar ou situação e que torna esse local sagrado.


Como Deusa Virgem, personifica o conceito da auto-suficiência, ou seja, “ser completa em si mesma”, sem precisar da presença de um pai, marido, filho ou amante. Nessa condição, ela podia seguir seus próprios valores e caminhos, sem lutar pelo poder, sem ter que se submeter à autoridade masculina ou fazer concessões.

O termo latino para “lareira” é focus e, na interpretação astrológica, o asteróide Vesta define a capacidade de focalização e concentração em um determinado objetivo, o que exige a prática do silêncio, introspecção e meditação. Para as mulheres marcadas por sua influência (seja pela presença relevante do asteróide no mapa natal ou através de uma conexão voluntária), o estado de contemplação e as práticas de focalização tornam-se mais fáceis. Mesmo atividades corriqueiras ou afazeres de casa podem ser um meio para ordenar pensamentos e silenciar a mente, encontrando assim momentos de quietude, introspecção e harmonia interior. Conectando-se com a energia de Héstia, a agitação e pressa, a habitual cobrança e o senso exagerado do dever e fazer tornam-se menos importantes; realça-se, assim, o valor e a necessidade de estar conscientemente no “aqui e agora”. Cada vez que uma mulher cria ordem, beleza, paz e harmonia em um ambiente, ela consagra esse espaço.

Desde a pré-história, o fogo era o centro da vida comunitária, pois, além de fornecer luz e calor, era o ponto de encontro dos clãs e dos conselhos de anciãos, sendo também um símbolo de hospitalidade e proteção. Para as mulheres contemporâneas, momentos de solidão e de silêncio são requisitos necessários para o centramento e para as práticas espirituais. Apesar do ritmo agitado da vida e das pressões e exigências modernas, as mulheres que buscam seu crescimento e evolução espiritual não precisam ir para o longínquo Avalon, nem se retirar em um mosteiro ou ashram. Basta criar um tempo e espaço sagrados, formar um grupo ou círculo junto com outras mulheres, ter um propósito e um centro espiritual e permanecer em silêncio e meditação. O mergulho no âmago das essências individuais possibilita encontrar a conexão e a força nutridora de Héstia. A representação do centro pode ser uma vela ou lamparina, um cristal, uma mandala ou a imagem da luz divina.

A versão romana de Héstia era personificada por Vesta e seus cultos diferiam em alguns aspectos. Vesta também era uma força sagrada estabilizadora e centralizadora, protetora das famílias e cidades. No entanto, suas sacerdotisas – as Vestais – tinham maior prestígio e atuação do que as Prytantes já que os romanos tinham um número maior de festividades públicas para reverenciar Vesta do que os gregos, onde o culto era concentrado nos lares. O fogo sagrado de Vesta era velado no Forum Romanum por seis Vestais, em um templo esférico que reproduzia a Terra, cujo perímetro era proibido aos homens após o anoitecer. As Vestais eram escolhidas entre as filhas de famílias nobres e deviam servir por trinta anos, dos quais dez eram de aprendizado, outros dez de sacerdócio e os últimos para ensinar as novas Vestais. Elas deviam manter sua castidade, estando submetidas a regras severas, como no caso de infração ao seu voto, quando eram enterradas vivas. Como recompensa, recebiam alguns privilégios: convites para jantares com autoridades, os melhores lugares nos teatros e arenas e passeios de carruagem; elas não eram submetidas à autoridade paterna, podendo possuir bens e, depois dos trinta anos de serviço, podiam se casar. Por serem consideradas imbuídas de poderes especiais, eram honradas por todos e podiam perdoar condenados caso passassem perto deles. Sua pureza era considerada a garantia da segurança e salvação de Roma e por isso era vigiada em permanência pelo Sumo Pontífice. Com o passar do tempo, as vestais se tornaram “bodes expiatórios” e foram usadas para fins políticos, sendo-lhes atribuídas as causas de desastres naturais ou as derrotas nas batalhas, por, supostamente, terem infringido seus deveres e quebrado o voto de castidade. Durante as festividades de Vestália, que duravam de 7 a 15 de junho, as matronas romanas descalças e veladas seguiam em peregrinação para levar o pão por elas assado como oferenda para os templos. No final do festival, as Vestais fechavam o templo, lavavam-no e depois abriam-no com um banquete oferecido às divindades, contando apenas com a presença de mulheres. Uma vez por ano, no dia primeiro de março, o fogo sagrado era apagado e novamente acesso ritualisticamente pela fricção de dois paus, revelando o simbolismo oculto de Vesta como deusa geradora e sustentadora das mulheres e das famílias.

Atualmente foi perdido o respeito pela continuidade da união familiar com a reverência e gratidão ao sagrado antes das refeições. Vivemos na era do fast food, com todas suas conseqüências nefastas: falta de diálogo e convívio entre pais e filhos, distúrbios alimentares, diabetes e obesidade. Por não mais honrar e ancorar a energia unificadora e protetora de Héstia em nosso cotidiano, negando o lugar de honra do Seu fogo sagrado em nossas casas, canalizamos o aspecto sombrio e destrutivo do fogo, que se manifesta no superaquecimento global, nos desequilíbrios e conflitos religiosos, na falta de respeito e de reverência perante o sagrado e a natureza.

No entanto, o arquétipo de Héstia permanece esquecido e oculto em nosso inconsciente e caberá a nós – mulheres conscientes de sua força e missão espiritual – reacender o fogo sagrado, em nós, em nossas vidas e famílias. Para isso, precisamos encontrar novas formas de manter a união e harmonia familiar, cuidando da alimentação saudável dos filhos, evitando a poluição ambiental e mental pelo consumismo, a invasão dos alimentos refinados e processados. Podemos e devemos criar singelos momentos de silêncio e de gratidão pelo pão diário, em uma oração conjunta nas refeições ou ao redor da chama de uma vela.

O nosso desafio – como mulheres, filhas, esposas ou mães – é saber como combinar as exigências do mundo externo, estressante e caótico, com a missão ancestral de cuidar da casa, da harmonia familiar e da manutenção da chama sagrada. A resposta se encontra nos pequenos gestos: unir-se em conversas sem assistir TV ou ler jornal, incentivar encontros familiares em datas sagradas, informar-se sobre os alimentos saudáveis, mobilizar pessoas para grupos de estudo e oração, preservar a coesão e sintonia grupal evitando discussões, disputas e competições. Quanto mais isso ocorrer e melhor forem o bem-estar e harmonia alcançados e compartilhados, mais fácil será despertar e ativar o fogo sagrado de Héstia no coração de outras pessoas, criar núcleos luminosos no centro das moradias e das comunidades, para poder curar corpos e mentes e fortalecer a essência divina de todos.

As Vestais






Em Roma, Héstia foi venerada como a Deusa Vesta. Lá o fogo sagrado de Vesta uniu todos os cidadãos de Roma em uma família. A Deusa romana Vesta (Héstia) era uma Virgem Eterna conhecida como "aquela de luz".

Suas sacerdotisas eram as Virgens Vestais que mantinham o fogo sagrado sempre aceso, representavam a alma verdadeira de Roma. Se o fogo se extinguia, as Vestais deveriam reavivá-lo friccionando uma madeira ou estaca.

Seis Vestais de boa origem familiar, iniciando seu ofício entre os sete e os dez anos. Elas eram selecionadas obedecendo determinados critérios que incluiam estarem livres de qualquer tipo de imperfeição física ou mental e possuírem pais livres e vivos. Depois de passarem por uma rigorosa seleção, eram eleitas pelo alto sacerdote para assumirem um compromisso de trinta anos, dos quais, os primeiros dez anos seriam dedicados para estudos (Discípula em Latin) e treinamentos. Os dez anos seguintes, tornavam-se serviçais da Deusa (cuidavam do fogo, da limpeza do templo e participavam de cerimoniais) e os últimos dez, deveriam treinar as novatas Vestais.
As Vestais tinham a cabeça circundada por frisos de lã branca que lhes caíam graciosamente sobre as espáduas e de cada lado do peito. As suas vestes eram muito simples, mas elegantes. Por cima de um vestido branco usavam uma espécie de roquete da mesma cor. O manto, que era de púrpura. No princípio cortavam os cabelos, entretanto, mais tarde, exibiam longa cabeleira.

Eram sempre deixadas à distância das outras pessoas, honradas, e esperava-se que vivessem como Vesta, com terríveis conseqüências se não permanecessem virgens.

Qualquer virgem Vestal que mantivessem relações sexuais com um homem, profanaria a Deusa. Como punição deveria ser enterrada viva, sepultada em uma área pequena e sem ar no subsolo, com luz, óleo, alimento e um lugar para dormir. A terra acima dela seria então nivelada, como se nada estivesse embaixo. Portanto, a vida de uma virgem vestal como personificação da chama sagrada de Héstia era extinta quando ela parava de personificar a Deusa. Era coberta com terra como o carvão que se extingue em uma lareira.

Em compensação, apesar de todos esses rigores, as Vestais gozavam do maior respeito e eram tão sagradas que se passassem ao lado de um homem condenado, esse era perdoado. Eram também, muitas vezes, chamadas para apaziguar as dissensões nas famílias e muitos segredos lhes eram confiados, até os do Estado. Foi entre suas mãos que o imperador Augusto depôs o seu testamento. Depois de sua morte elas o levaram ao Senado Romano.

Quando o luxo se espalhou em Roma, as Vestais passeavam em suntuosa liteira, mesmo em carro magnífico, com um numeroso séquito de mulheres e de escravos.

Há uma lenda que conta que as primeiras Vestais foram eleitas pelo herói troiano Eneas, o primeiro ancestral de todas as coisas romanas.

O imperador Graciano (governante desde 367 até 378 d. C), que era hostil as religiões pagãs, deixou de pagar os salários das Vestais, desviando o dinheiro para pagar o serviços postal imperial. A adoração dos Deuses pagãos foi oficialmente proibida pelo imperador Teodósio (governante desde 379 até 395 d. C) no ano de 394 d. C, e o fogo de Vesta se extinguiu para sempre.

A última Vestal conhecida em Roma foi Coelia Concórdia.

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